segunda-feira, 25 de abril de 2011

Monteiro Lobato e a formação de uma família

Paracuru, Ceará. É noite. Reunidos na casa da vovó, toda a família se organiza. Éramos seis crianças que se reuniam para ouvir o papai lendo para nós os livros de Monteiro Lobato. Nessa época, nas férias, íamos para a casa de praia de Seu Alcides, pai de minha mãe e vivíamos com intensidade não só as brincadeiras proporcionadas por aquele local paradisíaco como também as diversões da noite, quando além das leituras de papai, reproduzíamos as histórias contadas.
Frederico (Fred), já falecido, irmão mais velho, era sempre o Pedrinho. Eu, a Narizinho. Giovana (Jó), sempre muito resmungona, obviamente encarnava com perfeição a Emília. Assim, brincávamos debaixo das mangueiras da propriedade durante o dia e, à noite, nos saraus, representávamos as aventuras de Lobato para os adultos, tanto os da família quanto aqueles que passavam as férias por lá, amigos da família. Sala lotada com vovô, vovó, Titia (Mirian), mamãe, papai e tantos outros. Não havia uma noite em que não apresentássemos uma pequena peça, tanto com as histórias de Lobato quanto com poesias declamadas com acompanhamento de músicas. Tudo preparado por nós, as crianças, tudo bem ensaiado e organizado para mostrarmos o que tínhamos feito durante o dia.
Claro que outros autores faziam parte de nosso repertório, como Maria Clara Machado, mas Lobato era parte de nossas vidas, de uma maneira tão intensa que certamente foi o mais encenado naquela doce época de nossas vidas. Acho que era a maneira familiar como papai lia e transmitia para nós aquelas aventuras maravilhosas. Monteiro Lobato sempre foi “da família”, amigo chegado sempre presente.
E conforme vou pensando sobre o assunto, mais lembranças me vem à mente. Por exemplo, é nítida a imagem de papai deitado numa rede do alpendre, após o almoço, e nós todos em volta, sentados no chão, ouvindo com atenção enquanto ele lia em voz alta. Ele fazia todas as falas e o silêncio era total. Não podíamos perder nada do que estava sendo contado naquela que era a hora mais importante do dia. A Mitologia nos chegava através dos Doze Trabalhos de Hércules e do Minotauro, e enquanto ele falava, ficamos nos perguntando sobre os deuses do Olimpo, o labirinto e tantas outras coisas. Tudo que Emília falava era motivo de perguntas e discussões, e papai não dava respostas preferindo ouvir tudo o que argumentávamos, estimulando o debate que, em determinados momentos ficavam emocionantes.
Quase todos nós, os irmãos, já liam naquela época. Ricardo e Laurinho ainda não. Lili ainda não havia chegado entre nós. Os que liam, devoravam os livros de Lobato para se municiar de mais elementos para as discussões e tudo isso acabava entrelaçando os assuntos e gerando dúvidas interessantes, que precisavam de apoio externo para serem resolvidas. Por exemplo, consultamos muito o papai para entender “A Chave do Tamanho” e a visão da guerra. Emília ora estava grande e poderosa, ora pequenina e amedrontada com um simples besouro. Tanta riqueza de informações impressionou tanto a todos nós que, muitos anos depois, no momento de dar nome a escola que estávamos fundando, o título desse livro foi unanimidade para batizar o empreendimento.
Muitos de nós aprenderam a gostar de História através dos livros de Lobato. A “História do Mundo para as Crianças” era uma maravilha de ser lida e sempre revisitada, mesmo quando já estávamos no “Ginasial”. Nesse livro encontramos muitas respostas e aprendemos muito sobre as invenções e os inventores. Papai, em um determinado momento de nossas vidas, instituiu um modelo para que nós pudéssemos ganhar nosso dinheiro das pequenas despesas de forma útil e proveitosa. Quem entregasse a ele um resumo do que tivesse lido, era remunerado. Isso gerou uma legião de leitores contumazes. Instituiu em nossa casa a idéia da leitura de forma muito positiva. Não era obrigatória, mas sim prazerosa. Quem mais lia, mais ganhava dinheiro e conseqüentemente era mais valorizado como alguém que fazia algo especialmente bom.
Tínhamos toda a coleção de Monteiro Lobato e achávamos que todo mundo tinha que ler aquelas historias. Eram histórias brasileiras e de forte apelo emocional. Gostávamos muito e cada novo livro lido era uma conquista para nos. Fred, meu irmão mais velho, leu muito tarde, mas nos contávamos a ele as historias que despertavam grande interesse. Laurinho ao contrario leu muito cedo e aprendeu com os irmãos mais velhos. Assim, logo estava lendo o Saci. Descobrimos quando ele começou a nos interrogar sobre a história.
Trocávamos muitas experiências de nossas leituras. Muito cedo começamos a ler tudo que aparecia e, em nossa casa, o presente mais valorizado era um livro. Começamos a conhecer o mundo através das grandes  coleções de literatura. Para se ter uma idéia, os seis irmãos tinham apenas uma única bicicleta, mas nenhum livro nos era negado. Meu pai sempre disse para minha mãe que estava experimentando suas teorias pedagógicas com seus filhos e de todo esse movimento surgiu a base de seu método pedagógico: a leitura.
Por conta de tudo isso, e apesar de todas as polêmicas que tem surgido, não me canso de escrever sobre a obra de Monteiro Lobato, um monumento a literatura que a 80 anos vem encantando gerações de brasileiros e formando pessoas cada vez melhores.
Vamos criar o habito de leitura nas criança que o resto eles fazem sozinhos. E principalmente, na formação desse hábito, não pode deixar de ser lida a obra de Monteiro Lobato, porque a partir dela e de seus leitores, teremos milhares de pessoas melhores.
Beta

2 comentários:

Silvia Maria disse...

Leitura não é só hábito. É vício: quanto mais se lê, mais se quer ler...

Prô Sônia Lacerda disse...

Leitura e infância deveriam ser sinônimos - os educadores deveriam ter como princípio norteá-los para tal descoberta.