Aquele antigo questionamento sobre ¨ter ou ser¨, de vez em quando bate à porta para nos lembrar de como é que a coisa pode sair do controle e perder o sentido, sem que haja real percepção de para onde estamos indo com determinados comportamentos.
A família espera a chegada de uma criança com ansiedade, e talvez por isso, começa a compra do enxoval que ultrapassa em muito a necessidade que aquele ser realmente vai usar. Mesmo que permanecesse 10 anos com aquele corpinho de recém nascido, provavelmente o que foi comprado não seria usado. E são tantas compras feitas pelos pais que aquilo que é dado pelos parentes e amigos torna-se absolutamente desnecessário, aumentando o exagero. A criança, realmente, jamais usará a maior parte do que estará disponível, mas tudo é feito em nome do ¨não podemos deixar faltar nada¨.
Existe ainda os que mantém o discurso de que ¨quero dar ao meu filho tudo o que não pude ter¨. E fica a pergunta: fez falta? O curioso é que o excesso é incontrolável, e mesmo assim, quanto mais recursos forem destinado a isso, melhor. Para algumas mães, é sinal de grande importância poder dizer que os filhos tem coisas que nunca usaram! Criança não é objeto de consumo dos pais, embora haja uma cultura formada que ampara esse tipo de crença, e esse tipo de conduta vai deformar a maneira de a criança agir no meio social, ficando insuportáveis na medida em que não entendem ¨o outro¨ na medida em que o mundo gira em torno de si.
Quando os pais objetificam as crianças, a coisa vai mal. Aquela pequena criatura pode estar totalmente deslocada num determinado ambiente, mas ali é mantida porque o desejo dos pais prevalece, na concepção de que eles precisam mostrar a cria.
Nesse caminho tortuoso, os brinquedos são , quase que totalmente, planejados e comprados pelos pais, servindo inclusive coo elemento de comparação de status no meio de amigos e parentes, mas nada é pensado em termos de servir para o desenvolvimento da criança. Para ela, caixas, garrafas pet, sucata em geral, fariam o mesmo efeito, mas os pais precisam oferecer brinquedos eletrônicos, carrinhos e motos com baterias elétricas, que não tem qualquer valor real para aqueles a quem se destinam, que os usam duas ou três vezes, abandonando em seguida porque não estão alinhados ao seu nível mental e portanto, aos seus interesses objetivos.
Pais ficam orgulhosos contando que seus filhos em um iPod, sabendo usar das mais variadas maneiras, mas realmente essas crianças deveriam estar correndo, brincando de faz de conta... tudo o que a sociedade rejeita em nome do status e do alinhamento com aquilo que é aceito pelos pares.
Em algum momento, começa a surgir um comportamento na criança que vai se agravando com o tempo, porque aquelas crianças que realmente não receberam a atenção necessária, aqueles bebês fofinhos que foram abraçados e beijados de zero até os dois anos, passam a ser ¨uns chatos¨, teimosos, não se submetendo totalmente às vontades alheias - mesmo e principalmente, dos pais. Mas o que teria acontecido? - perguntam-se aqueles que agora recebem o retorno daquilo que fizeram como ¨o melhor que podiam fazer¨.
Ora, os pais não cresceram com os filhos até ali, não acompanharam, não tem uma dimensão do quanto a falta de uma ligação mais próxima e uma atenção dirigida podem resultar em modelos previsíveis de comportamento. E isso se grava quando a criança completa seus 7/8/9 anos de idade, acostumadas com o atendimento incondicional de suas vontades e com uma distância enorme dos pais - mesmo vivendo na mesma casa. Tornam-se um caos social, sem educação, sem interesses em jogos e brincadeiras compatíveis com seu nível de desenvolvimento, enfim, crianças tristes e sem socialização.
Saramago disse que ¨seu filho está de empréstimo, porque ele NÃO É SEU. Precisamos tentar educar essa nova geração da maneira mais certa possível, porque sempre temos que ter em mente que adulto, não tem jeito. Não muda na essência.
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