segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ainda sobre a VEJA 2171 | Artigos sobre Educação

Caro Gustavo Ioschpe,

Meu rapaz ... e lá está você de novo, na VEJA 2171, falando, falando, falando. Admiro sua vontade e interesse em falar, mas fico sempre pensando: será que ele agora vai falar da árvore ou vai ficar no tronco como sempre? Gosto do jeito que você escreve. Acho que é forte, contundente, mas soa como a impressão de um fuzil com bala de festim. Impressiona mas não assusta. E quando assusta, não tem resultado.
Permito-me escrever essa carta porque alguém com sua capacidade de exposição, deve estar apto a receber feed-back, tanto mais através de uma missiva carinhosamente redigida, que não visa agredir suas opiniões, mas sim, no mais genuíno esforço pedagógico, externar opiniões que lhe poderão ser úteis.
Afinal, encontrou uma escola para o seu filho? Aquele, que você falou no início da matéria e que deve estar aprendendo matemática guardando os brinquedos no armário, ao invés de na sala de aula, enquanto você continua na jornada de busca de uma escola compatível com suas aspirações maiores - que ainda não ficaram muito claras...
Vejo na internet que você deve ser aquele menino que deu grandes alegrias para o seus pais, estudando Economia em duas graduações (Ciência Política e Administração Estratégica) na Wharton School, na Universidade da Pensilvânia e fazendo Mestrado em Economia Internacional e Desenvolvimento Econômico, pela Universidade de Yale. Tudo nos Estados Unidos. Espero que naquela época seus pais tenham procurado bem as escolas que você estudou - aliás, devem ter feito isso, porque ninguém prepara um herdeiro de maneira irresponsável. No entanto, ainda que você tenha feito todos esses cursos, percebo sua frustração em não ter feito, realmente, Jornalismo. Se você já foi colunista da Folha de São Paulo, colaborador da VEJA e colunista do jornal Zero Hora, isso deve ter sido motivo de grandes conflitos familiares. Você foi indo ao encontro de suas aspirações ao longo do tempo, não dando aproveitamento pleno dos conhecimentos de sua portentosa formação. E tornando você um personagem controvertido pela ótica com que aborda o tema Educação ... Na Wikipédia, está escrito literalmente que "mesmo não possuindo formação específica na área (Educação), suas opiniões se baseiam em dados e médias, o que revelaria, segundo seus críticos, uma leitura do sistema educacional apenas do ponto de vista econômico ou administrativo, como se tratasse de uma empresa".
Sei que você é de rica família, e que estudou em escolas particulares e graduou-se no exterior. Etc, etc. Se as escolas em que você estudou, durante a sua formação mais básica tivessem tratado somente de pesquisa empírica, avanços da neurociência, desenvolvimento cognitivo, aprendizagem em ciências exatas, como imagino que seria a escola que você quer para seu filho, você teria chegado, inevitavelmente, aos trabalhos de Jean Piaget, brilhante cientista suíço que desenvolveu uma ciência que conhecemos como Epistemologia Genética.
Mas isso não deve ter acontecido. Suas escolas tinham outra visão de mundo, de formação, de Educação. Nem melhores nem piores, apenas diferentes. Foram formatadas para cumprir prazos de formação de seus alunos (como aliás continua a ser até hoje), e promoveram você ao longo de sua formação baseados em fatores determinados por apreensão de conteúdos - seja lá o que isso signifique para o desenvolvimento geral. Claro que depois, focado em ciências da administração, a coisa ficou ainda mais focada e sinto que, em suas palavras de apelo para que a escola dos seus sonhos apareça, fica implícito que gostaria de ver uma repetição do modelo...
Gustavo, dê uma chance para seu filho. Uma chance diferente daquela que você teve, porque afinal de contas seus pais, com todo o amor do mundo, não tinham a sensibilidade para o tema Educação que você desenvolveu - ou está desenvolvendo. O tema lhe é caro, sua preocupação e genuína, mas você ainda precisa mergulhar mais a fundo na questão para poder desenvolver uma melhor compreensão sobre o mesmo. Educação é coisa complicada. E não só pelo que é refletido pelos números que você expõe, mas principalmente pelos que não conhece.
Suas opiniões são fortes, mas ... veja. Nossos governos não tem como prioridade o sistema educacional. Dificilmente temos educadores cuidando de Educação! É importante notar que todos os movimentos de "Educação" no país são para criar provas para avaliar, mas quando iremos utilizar essas avaliações para efetivamente melhorar o sistema? Já sabemos que ele não funciona, não forma cientistas, que ninguém gosta de estar nele e não estamos fazendo nada objetivamente para mudar coisa alguma. Uma ótima maneira de olhar de frente para o problema é fazer uma avaliação sistemática do mesmo, visando alinhar a ação e interferir no processo. Quando isso não acontece, tudo o que serviu para avaliar se perde. Imagine isso no seu Banco, Gustavo. Imagine se isso é possível na Maxxion-Ioschpe! Se alguma coisa parecida acontecesse, ou as empresas quebravam ou haveria uma demissão em massa de executivos incompetentes. Porém, na área de Educação, isso não acontece porque o sistema não tem meios de fazer uma coisa ou outra. Não quebra, não demite, mas também não melhora. E não venha me trazer gráficos maravilhosos para dizer que estamos avançando mas que "é preciso fazer muito ainda". A essência do problema não está nos números, meu caro Ioschpe. Está no modelo, na base de tudo, nos valores primários.
Ninguém fala de um Método, mas fala-se continuamente em propostas de prédios ou materiais. Os computadores, atualmente, tem ocupado o centro das discussões, sem que ninguém diga, realmente, como introduzi-los no processo educacional. Fica complicado imaginar que um garoto que vá a lan house de sua comunidade, ou que já tenha um netbook sensacional, vá utiliza-lo para fazer um trabalho sem uso de internet, enquanto muitos professores ainda, desconfiados daquilo que não conhecem, mandam fazer os trabalhos de casa em folha de papel almaço e dão nota na letra! Por que fariam isso Gustavo? Você consegue imaginar?
Não temos um Plano Diretor Geral, um Planejamento Curricular, mas temos sim uma porção de leigos opinando sobre a especialidade docente. Por que reduziríamos a função escolar em "transmissão de conteúdos", quando a nobre missão da escola é educar no seu mais amplo sentido. Temos que estar preocupados com as matérias sim, mas com a ética e a moral de nossos alunos também. Você pode até achar que a questão ética deve ficar somente com a família, mas ... se você ainda não observou, a família tem mudado mudado radicalmente ao longo dos anos. Para que você amplie seu conhecimento nesse sentido, recomendo a leitura do livro do filósofo francês Luc Ferry, com o título "Família Amo vocês". Para ilustrar melhor, Ferry foi Ministro da Educação da França, no governo Miterrand, e em sua obra discute a família e suas funções, num mundo onde não há tempo para dedicar a seus filhos, deixando-os entregues às babás humanas ou eletrônicas (televisão, computadores, jogos eletrônicos, etc). Num mundo assim, como delegar ou obrigar a família a inculcar valores morais e éticos em suas proles? A moral e a ética devem ser discutidas nas escolas sim, mas de uma maneira realmente orientada, tomando por base as teorias mais adequadas, como as de Jean Piaget, que desenvolveu longos estudos sobre o desenvolvimento da moral ligada ao desenvolvimento cognitivo da criança.
É claro que a escola não deve ideologizar as discussões e dai dizermos, meu caro Gustavo, que baseados no método de trabalho que utilizo (Método Psicogenético - Lauro de Oliveira Lima), o professor não deve opinar, mas deixar as crianças discutirem e chegarem às suas conclusões, de acordo com seus níveis mentais. Com isso, os temas nunca são "fechados", devendo sempre retornar no nível seguinte de desenvolvimento. Não deve haver doutrinação na escola, por isso propomos todo o trabalho em Dinâmica de Grupo, pois assim o professor não emite opinião, mas orienta a aprendizagem propondo problemas. Gustavo, acredite: não se ensina Ética. Constrói-se a Ética. O mesmo vale para a Moral.
A função da família passa a ser doutrinatória. Não deveria, mas é. A família não constrói a moral mas determina valores. Você, Gustavo, foi doutrinado. Foi construir suas opiniões mais adiante, mas creia que seus valores estão bem arraigados. Não se discute aqui se certo ou errado. O fato é que houve um processo de doutrinação desde o ambiente familiar, passando pelas escolas que você cursou (escolhidas para isso também). No ambiente universitário, não sei como foi, mas é certo que valores ligados ao mundo dos negócios foram inculcados também, caso contrário você não teria seu cabelo tão bem cortado, sua pele tão bem tratada e não vestiria um terno tão bem talhado, que lhe deixa caracterizado como membro da elite, executivo bem sucedido ou qualquer outro estereótipo desse tipo. Você é o resultado final do processo que desaguou naquilo que você acredita ser o melhor, tenho certeza.
Suas notas foram boas Gustavo? Sim, porque notas são essenciais num sistema de ensino tradicional - e duvido que você tenha tido contato com formas alternativas de ensino, durante sua formação - mas isso porque os professores não conseguem conhecer, realmente, os alunos, precisando avaliá-los de quando em vez. Prova também é uma "palmatória" velada do professor, na medida em que funciona como ameaça para manter a turma quieta. "Cala a boca senão eu dou uma prova agora"!!! Isso geralmente funciona. No entanto, em São Paulo, vimos uma experiência terrível que foi a desmobilização do último recurso do professor com o advento da "Progressão Automática". Ou seja: não passa, mas passa do mesmo jeito. Isso não ajudou em nada, e seus idealizadores vão ainda amargar em algum cantinho do inferno, especialmente feito para aqueles que fazem maldades na área de Educação. Mas veja, meu rapaz, que o sistema cria um mecanismo de controle e depois se desfaz dele, porque o objetivo real sempre foi o de criar números bonitos e vistosos em termos de desempenho.
Hoje mesmo, Gustavo, vi no jornal da manhã que o ENEM vai servir agora para dar diploma a quem abandonou o Ensino Médio mas está precisando agora do mesmo para conseguir emprego melhor. É a institucionalização do deboche! Criamos um sistema, forçamos a mão até ele estourar e depois apresentamos a solução mágica, que é fazer uma prova, tirar cinco e ganhar o diploma que outros ralaram os cotovelos nas carteiras para conseguir. Tá certo isso, menino?
Mas os números vão ser ótimos. Seus IDEB's vão apresentar curvas sensacionais de uma hora para outra.
Espero que o sistema educacional esteja como aqueles pacientes no estágio final. De repente, uma melhora enorme! Em seguida, o velório e enterro. Sim, porque a partir das exéquias provavelmente começa um novo movimento para fazer direito o que se construiu, ao longo dos séculos, de forma errada. Se em 1930 tivéssemos o sistema educacional atual, estaríamos no topo do mundo. Mas estamos em 2010, e o modelo está, no mínimo, defasado.
Para dar um contraponto, queria dizer que numa escola piagetiana os alunos recebem, em cada matéria que cursam, 20 ou 30 pontos, para depois formar a média. O professor e cada um dos colegas estão sempre avaliando, autoavaliando e avaliando o professor. Isso muda bastante o resultado final do processo educacional e seria um excelente modelo para se aplicar, visando a tomada de consciência dos alunos.
Meu caro, para Piaget, não temos comportamentos geneticamente formados, pois todos os comportamentos são aprendidos. Temos uma carga neurônica genética que vai ter uma abertura para todos os possíveis. Não agimos de forma ética por coação, mas sim por consciência - e esta deverá ser desenvovido ao longo da vida, passando por diversas formas dentro do julgamento moral feito pela criança. Educar, portanto, não é só introduzir conteúdos para as crianças , mas sim formar também seu julgamento moral. Daí o enorme trabalho que deve ser feito pela escola, através de jogos, para que as crianças ou adolescentes aprendam as regras, na medida em que a criança vai da ANOMIA (falta de regras) pela HETERONOMIA (regras vindas de fora) para a AUTONOMIA (criação de regras). A escola tem que trabalhar esse caminho com seus alunos, pois na família isso é muito difícil de acontecer, já que os pais são autoridades máximas e nunca aceitam discutir as normas - como aliás, acontece com as escolas autoritárias.
Lauro de Oliveira Lima pergunta: "como pode uma criança aprender a democracia vivendo numa escola autoritária?"
A quem cabe realmente educar, Gustavo, se os pais estão trabalhando? Se não for a função da escola ... de quem será? Você pode estar criando condições para que a moral do seu filho, que não vai para a escola porque você ainda não encontrou o estabelecimento de ensino ideal para você, seja a moral da Babá que você contratou. Espero que seja uma excelente pessoa, essa babá, para que você não tenha problemas futuros! Você sabe, como executivo, que a pior decisão que você pode tomar é não tomar decisão nenhuma. Use esse preceito de administração também na educação de seu filho. Ache uma escola para ele rápido! E que seja das boas!.
E "das boas", no entender dessa pedagoga calejada pelos anos, é aquela escola que discute a formação permanente dos seus professores, para que eles se mantenham atualizados, já que mesmo em sua formação universitária, não se atualizam. É uma escola em que o aluno tenha prazer de estar. A escola de nossos tempos é para pensar e não para dar instruções. A cola que ainda persiste em existir é reflexo de um universo educacional em que só existe uma resposta - determinada pelo professor. Se a prova fosse de inteligência, não haveria como colar, porque não haveria uma só resposta, mas sim a resposta no nível de quem a está respondendo. Por isso é tão importante conhecer os níveis de desenvolvimento propostos por Jean Piaget, para entendermos que não há certo ou errado, mas sim o possível para aquele nível.
Enfim, Gustavo, ficam meus sinceros votos de que você consiga encontrar a escola desejada para seu filho. Procure muito. Procure abertamente, abrindo-se para todos os possíveis. "Cola", segundo o Prof. Lauro de Oliveira Lima, criador do Método Psicogenético, é a única coisa socializada na escola, atualmente. Vamos ampliar o leque sim, mas sem essas restrições que estão sendo colocadas. Vamos privilegiar sim o nível mental do aluno, saber que nível é esse através de testagens, trabalhar em cima daquilo para o que tem o chamado esquema de assimilação, e não no cronograma padrão de um estabelecimento ou sistema de ensino. Vamos, enfim, desenvolver inteligência e não memória. Vamos fazer um ambiente onde os valores possam ser desenvolvidos de tal forma que, a qualquer momento, teremos verdadeiras soluções para os grandes problemas que nos afligem como nação. Inclusive para a Educação.
Gustavo, obrigado pela atenção. Qualquer coisa, procure-nos na A CHAVE DO TAMANHO, uma escola piagetiana no Rio de Janeiro. Sou diretora ali, além de uma das fundadoras da mesma há quase 40 anos.
Um grande abraço, meu rapaz. E vamos estudar sempre.
Beta

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