domingo, 22 de maio de 2011

Como acabar com as Ciências, segundo as escolas

Freqüentemente, no “Programa do Jô”, o apresentador faz uma leitura humorística de respostas dadas por alunos a questões de provas de diversos colégios e mesmo universidades. É um quadro que provoca gargalhada nos espectadores pelo inusitado das respostas, algumas absolutamente fora do assunto, outras tentando explicar de uma maneira gaiata alguma coisa óbvia. Em outros casos ainda, a confusão fica estabelecida pela inversão dos valores. Enfim, uma piada.
Piada que reproduz a vida em sala de aula e as relações entre os alunos e as escolas. Uma piada de mau gosto, no final das contas, e sendo assim, deixa de ser uma piada para ser um grito de alerta para a enorme quantidade de problemas que o sistema de ensino tem em sua estrutura.
A grande questão é: isso tem graça? E, se tem, como vamos fazer para que a maneira de  ensinar deixe de ser uma coisa tão pavorosa a ponto de gerar indivíduos capazes de dar respostas como aquelas?
Uma das maneiras de entender o que está acontecendo é verificar as provas que são dadas às crianças e adolescentes nas escolas. Isso ajudaria a montar o quadro onde eles estão inseridos, e por que eles não aprendem as coisas que são ali verificadas. Fica até a pergunta sobre por que deveriam aprender essas coisas, que não serão necessárias em suas vidas pessoais ou profissionais. Conhecimentos que são solicitados em provas estarão sempre a disposição de pesquisadores, nos bancos de dados e mesmo na rede, podendo ser acessadas sempre que necessário pelos cientistas e profissionais de todas as áreas que tenham necessidade dessa informação. Não precisam ser armazenadas na mente das pessoas, que de toda forma não teriam capacidade de armazenar os petabytes de informação que estarão armazenadas, de forma relacional, em repositórios digitais.
Uma coisa que fica evidente para mim é que a Ciência está sendo desmobilizada pelos próprios professores de Ciências! Eles simplesmente caminham na contramão do espírito científico.  Em sentido mais restrito, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, assim como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tal pesquisa. Em nenhum momento cogita-se em “fazer ciência” decorando indefinidamente todos os avanços da pesquisa humana. Fazer ciência é criar hipótese, desenvolver pesquisa e chegar a conclusão e que tal coisa existe ou funciona se a experiência der o resultado repetidas vezes respeitando-se um processo. Em escolas, nos dias de hoje, o que estamos vendo é uma sequência de aulas teóricas, chatas, sem sentido, sem estímulo para o aluno, que compõem o currículo de Ciências. E de tempos em tempos, o conteúdo dessas aulas é cobrado em provas que exigem mais resultado de memória do que qualquer coisa próxima daquilo que a humanidade levou tanto tempo para desenvolver e organizar.
Um exemplo disso é o teor de uma prova, a que tive acesso, que foi dada para a turma de 1º. Ano do Ensino Médio de uma escola do Rio de Janeiro.

Os professores de Ciências simplesmente querem acabar com o espírito cientifico que as crianças cultivam quando pequenas a perguntar os por que a seus pais e todos os adultos que as cercam. Eles não têm mais direito de perguntar, analisar ou fazer experiências. Eis as questões de um prova de Ciências...

1.    Qual seria a classificação de Linneu para os seres vivos?
2.    Cite 03 regras de nomenclaturas cientificas.
3.    Quais as principais estruturas das células dos Poríferos?
4.    Quais os tipos morfológicos dos Cnidários?
5.    Quais as formas de reprodução dos Poríferos?
6.    Como  estão  classificados os Platelmintos?
7.    Cite um exemplo da Classe Hirudínea dos Anelídeos?
8.    Como dividimos morfologicamente os insetos?
9.    Descreva o Sistema Digestorio dos Nematelmintos?
10.    Cite os nomes das larvas dos Nematelmintos: Ascaris limbricoides.

Se você não for um especialista da área de Biologia, responda pelo menos cinco dessas questões, para tirar uma nota baixa na prova. Não consegue? Imagine seu filho. Ah, mas ele teve aulas da matéria, poderia dizer alguém desavisado. Mas aula de quê? Imagine que alegria deve ser saber como estão classificados os Platelmintos! Que orgulho para uma mãe ter um filho que sabe quais as principais estruturas das células dos Poríferos! E como é triste ter a certeza de que não é isso que vai tornar o jovem inteligente, viável para o mundo e para a vida, e ainda assim ter que perder seu tempo estudando (estudando???) esse tipo de coisa, que pode ser adquirida facilmente no Google. Deve ser por isso que os professores não deixam o aluno fazer a prova com consulta. Se deixassem, era dez para todo mundo, porque o que está sendo exigido é de uma banalidade absurda, informação facilmente encontrável mas dificilmente armazenável numa mente cheia de vontade de engolir o mundo pela experiência vivida.
A memória é altamente seletiva, e tudo aquilo que não faz sentido, vai sendo colocado de lado. Tanto é assim que, se professores de outras matérias fizerem essa prova, não vão conseguir nota nem para ficar em dependência. Serão reprovados mesmo. Experimente você, amanhã, chegar ao trabalho e falar sobre os maravilhosos nomes das larvas dos Nematelmintos! Promoção na certa... para uma clínica psiquiátrica.
A base da Ciência não está em decorar nomes e conceitos, mas sim em experimentar. E o mais espantoso é que nenhum dos alunos dessa série, onde foi aplicada a prova, fez uma aula sequer em laboratório. Não experimentaram nada. Não desenvolveram o espírito científico. Apenas vão sair falando de Anelídeos, sem serem apresentados pessoalmente a um.
Os humoristas se quiserem realmente matéria prima para suas piadas, não devem pegar apenas as respostas dadas pelos alunos, mas principalmente as perguntas que foram feitas a eles, depois de um massacre sem tamanho, durante meses a fio, em uma sala de aula insípida, desestimulante e absolutamente fora daquilo que seria a concepção mental desses alunos.
Pois bem, pode parecer engraçada a resposta que o aluno dá, mas se as provas refletissem o resultado de um estudo compatível com o nível mental dos alunos, com o seu desenvolvimento, de uma maneira participativa, certamente os resultados não seriam hilários.
E o que não tem a menor graça é o fato de que o Brasil precisa, e muito, de cientistas. E não é isso que vai acontecer se continuarmos a brincar de decorar conteúdos sem o menor sentido e integração.
Beta

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