domingo, 15 de abril de 2018

Inteligência Digital


   O termo "inteligência", tem sido usado de muitos modos, mas não há um consenso sobre quando aplicar de forma definitiva o conceito. Tanto que em mais de uma vez, tenta-se dar uma imagem falsa a um determinado produto dizendo que o mesmo é "inteligente". No mais das vezes, é apenas um upgrade para uma câmera, uma habilidade que um equipamento tem, um sistema de temporização ligado a um termostato, e por aí vai. Mas ... não existe inteligência nesses moldes, porque ainda estamos longe de emular aquilo que a natureza nos proporcionou como seres humanos. E quando digo "longe", não me arrisco a botar prazo para isso, até porque estamos vendo avanços incomuns na evolução da chamada "inteligência artificial", a tal I.A., que vem sendo discutida e, em alguns casos, transformada em ameaça por grandes nomes do mundo da tecnologia. Mas isso é outra questão. De fato, não temos, mesmo na Inteligência Artificial, uma estrutura tão complexa que permita a equiparação com a inteligência humana.
   Mas, o que seria essa Inteligência? Não houve um entendimento claro, por parte dos estudiosos da área, de que temos cinco níveis de inteligência: a Sensório Motora, a Simbólica, a Intuitiva, a Operatória Concreta e a Operatória Abstrata, e essas etapas estão em desenvolvimento contínuo desde o nascimento até a adolescência. Todos os conhecimentos e afetos vão sendo desenvolvidos com esses modelos. Esse foi o trabalho de uma vida de Jean Piaget, que identificou claramente, com bases científicas comprovadas, as fronteiras de transição entre uma e outra fase (ou nível), estabelecendo testes que conseguem identificar claramente o estágio de desenvolvimento em que se encontra o indivíduo. Lauro de Oliveira Lima, a partir desses estudos, criou o Método Psicogenético, formalizando os meios para o pleno desenvolvimento do indivíduo a partir de atividades que estimulem o atingimento dos níveis superiores da inteligência. A partir da inteligência em seu nível mais alto, é possível se atingir todos os graus de aplicação da mesma, seja em que área for, razão pela qual esse nível é denominado de Operatório Abstrato - por motivos óbvios.
   O que seria, então,  a propalada “inteligência digital”?
   Atualmente, as crianças começam a utilizar equipamentos digitais muito cedo, e os mesmos são oferecidos como forma de entretenimento, liberando os pais ou responsáveis para outras atividades, visto o estado de imersão que as crianças atingem na interação com a tecnologia. Esse estado de transe, que tablets, smartphones e outros gadgets conseguem estabelecer não são, evidentemente, capazes de produzir melhoria da inteligência humana, até pelos limites que tem, mesmo quando chamados “inteligentes”, e embora mantenham as crianças “quietas”, não acrescentam grande coisa a vida delas. Ou quase nada. Mais “lucro” tem os pais, pela liberdade de fazer coisas que estão dentro da sua linha de interesse direto. Mas vejam… se forem oferecidas atividades “no nível da criança”, elas vão se ligar muito mais e atingir um grau de satisfação muito maior.
   Proponha que elas brinquem ao ar livre, oferecendo atividades  com estratégias motoras, nos primeiros anos de vida. Na segunda fase, contar histórias, ir ao teatro, cinema ou qualquer atividade que tenha representação criam um enorme interesse e envolvimento. Na fase intuitiva, que antecede às operações, as experiências ganham força e as crianças gostam de experimentar quando atingem esse nível. Mas, infelizmente, suas casas normalmente não tem elementos motivadores para isso - o que nos leva a pensar em quanto é preciso estruturar a casa para as crianças e não apenas para nosso gosto pessoal em decoração ou organização doméstica.
   Nas operações, os jogos com regra são o destaque … mas geralmente as crianças não tem com quem jogar. Muitas famílias até compram os jogos, tendo noção de que os mesmos foram muito úteis na formação dos adultos de hoje, mas o fato é que ninguém se mobiliza para ser parceiro da criança nessa atividade. As famílias nucleares diminuíram muito, e as crianças ficam sem companheiros para essas brincadeiras. E sempre é bom lembrar que “brincar é o trabalho da criança”. Aqueles que ainda tem irmãos, se deparam com o problema de que geralmente são de idades bem diferentes, em virtude do planejamento familiar dos pais, atendendo às suas perspectivas de vida e não a dos irmãos em um desenvolvimento conjunto.
   E o que sobra então? Os aparelhos digitais, para um entretenimento de horas e horas… 
Bom, oferecer equipamentos digitais às crianças não criam um novo tipo de inteligência. Ponto. Falar com elas sobre os perigos do mundo digital, também não, até porque você pode estar tratando de um assunto fora do nível de compreensão dela. No início da adolescência, informar sobre os riscos e abusos que acontecem é importante, porque nessa etapa da vida, nos dias de hoje e para o futuro, é impossível para eles não estarem imersos no mundo digital, já que a sociedade migrou para esse modelo por todos os motivos que conhecemos. Mas viver o mundo digital não significa o desenvolvimento de inteligência. Ou de uma “inteligência” específica. Trata-se da Inteligência Abstrata (estágio de desenvolvimento) usando novos instrumentos, e todos os novos instrumentos que surgem são extensões do homem, como disse Lauro de Oliveira Lima. O homem vai se apropriando de todas as inovações que aparecem, dentro do seu nível de desenvolvimento.
   Não se tem ainda uma certeza maior sobre malefícios ou benefícios desses aparelhos no desenvolvimento das crianças, mas como disse Jean Piaget: “No começo está a ação”. Enfim, as crianças precisam “fazer”, e os aparelhos não são procedurais mas sim presentativos. O usuário usa realmente a percepção.
   Mas os equipamentos eletrônicos NÃO SUBSTITUEM outras crianças nas sociedades infantis. É no momento da interação entre elas que surge o equilíbrio cognitivo e afetivo.       Assim, quanto mais tarde expusermos as crianças a todo esse arsenal tecnológico disponível, mais tempo de desenvolvimento mental e afetivo elas terão, aí sim desenvolvendo sua inteligência e atingindo estádios de desenvolvimento mais amplos e elevados. Em seguida, que venha o mundo.
   Uma boa sugestão é introduzir o uso de equipamentos eletrônicos na pré-adolescência, sem preocupação, pois eles vão aprender em alguns dias o que seus pais levaram meses para dominar. E é nessa fase que eles entendem as conversas sobre os riscos do mundo digital porque a linguagem deles, nesse período, terá atingido o diálogo.
O que estiver disponível para uma pessoa será usado de acordo com o seu nível de inteligência. Não há como burlar essa condição ou mesmo enfeitar o fato de que a criança está sendo precoce. Ela vai tirar de um iPhone o que pode, e isso não é nenhum fenômeno. Espantoso é os pais acharem que descobriram a maneira ideal de manter seus filhos quietos com isso.

Nenhum comentário: