domingo, 16 de maio de 2010

Carta do Prof. Lino de Macedo a VEJA



São Paulo, 10 de maio de 2010.
Ao Senhor Diretor de Redação
VEJA
Caixa Postal 11079
CEP 05422-970
Fax: (11) 3037-5638
São Paulo, SP
Prezado Senhor
Como antigo assinante desta revista e estudioso do Construtivismo, segundo Piaget, venho lamentar a publicação, em 12 de maio, da matéria “Salto no escuro”, escrita pelo Senhor Marcelo Bortoloti. Três semanas atrás, esta mesma revista, já publicara matéria contra o Construtivismo, escrita pelo Senhor Cláudio Moura Castro.
O texto do Senhor Marcelo Bortoloti é superficial, tendencioso e mal orientado. É isto que a Veja entende por jornalismo científico? Como posso continuar assinando esta revista e sustentar minha confiança em suas matérias, sobretudo naquelas em que me sinto ignorante, se - a respeito do que venho estudando desde 1968 -, o que observo é algo totalmente sem respeito?
Indico abaixo os pontos de minha divergência como Senhor Botoloti:
1. Não há dogmas no construtivismo;
2. O construtivismo se caracteriza pela visão de enfrentamento (via realização ou
compreensão) de problemas que requerem conclusão; se errada, o desafio é aprender com os erros:
3. Culpar os professores que se dizem construtivistas e não compreendem o que significa, para dai concluir que o construtivismo é responsável pelo fracasso da educação brasileira é simplificador e torpe, próprio de quem escreve sobre aquilo que não entende e, pior que isto, escreve com a motivação de confundir e “desconstruir”;
4. O quadro “A desconstrução do construtivismo”, em que este autor compara “pedagogia tradicional” X “construtivismo”, é de uma banalidade e falta de informação que causa dó e desrespeito em alguém minimamente informado sobre o assunto.
5. Meu pressuposto, pautado no excelente trabalho da Editora Abril, com a Revista Nova Escola e outros projetos educacionais, era que ela valorizava e somava forças com esta imensa tarefa de defender uma escola para todos, apesar das dificuldades deste projeto. Com a publicação deste artigo e do anterior percebo que a Veja é contra esta idéia, sendo favorável ao “melhor da escola tradicional”, com sua visão determinista, favorável à seleção dos mais aptos, o que exclui a maioria de nossa população de crianças e jovens. Que pena!
Culpar, enfim, professores e gestores por suas dificuldades em aplicar idéias construtivistas, no Brasil, é injusto, superficial e tendencioso, pois não considera a complexidade de se transpor princípios teóricos e epistemológicos à prática pedagógica; ignora, também, o muito que se tem feito e conseguido, apesar de tudo. Pior de tudo: minimiza, vulgariza e desengana todos aqueles que, apesar da complexidade desta imensa tarefa, não desistem e aceitam o desafio de uma escola para todas as crianças e jovens. Concluo informando que vou cancelar minha assinatura desta revista, porque perdi o respeito e a confiança que tinha por ela.
Atenciosamente
Lino de Macedo
Professor Titular do Instituto de Psicologia, USP.

2 comentários:

nicoborges disse...

Apenas um recorte (cirúrgico) sobre o que escreveu em sua coluna o Sr. Cláudio de Moura Castro, sob o título: “Construtivismo e destrutivismo.” (Revista Veja, 21 de abril de 2010.)

“Desde a Revolução Industrial, sabemos que cada tarefa deve ser distribuída a quem a pode fazer melhor. Assim é feito um automóvel e tudo o mais que sai das fábricas. Na educação, também é assim. Os materiais detalhados [ele se refere aos manuais, ou seja, às apostilas] são amplamente superiores às improvisações de professores sem tempo e sem preparo.”
.
Além de articulista da Revista Veja, o Sr.Cláudio de Moura Castro é Presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras, o mesmo grupo do material apostilado que insiste no recurso tradicional da aprendizagem por memorização e aplicação mecânica dos conteúdos. Daí surgem as ligações com a matéria “Salto no Escuro” que critica o construtivismo e levanta a bandeira da regressão ao método tradicional de educação criticada pelo professor Lino de Macedo.

O Sr. Castro parece ignorar (ou ver com preocupação?) a mudança que as escolas vem buscando para se adequarem às exigências dos vestibulares mais procurados do país. O ENEM, por exemplo não mede apenas a capacidade do estudante de assimilar e acumular informações, e sim a sua capacidade de refletir, de “saber como fazer”. Valoriza, portanto, a autonomia do jovem na hora de fazer escolhas, estabelecer relações de conteúdo entre as várias disciplinas e tomar decisões. Apenas para ilustrar, o manual da Fuvest 2010 – Programa de Física – assim se apresenta aos candidatos:

“Espera-se que ele demonstre domínio
de conhecimento e capacidade de
reflexão investigativa, em situações
que tenham dimensão tanto prática,
quanto conceitual ou sócio-cultural.
Dessa forma, seu conhecimento físico
não deverá reduzir-se à memorização
ou ao uso automatizado de fórmulas,
mas deverá incluir a compreensão das
relações nelas expressas, enfatizando-se
a visão de mundo que os conceitos,
leis e princípios físicos proporcionam.”

Na prática, tais mudanças na forma de avaliar os candidatos acabam repercutindo num efeito cascata, onde na ponta do processo, surge o professor que tem diante de si o desafio de levar o aluno a raciocinar sobre os conteúdos de forma que diferentes contextos e ações façam parte do processo de construção do conhecimento com significados dos alunos. Não na memória a curto prazo, mas por toda a vida. Essa percepção dos educadores vem crescendo e as mudanças nas escolas já são uma realidade, senão na prática, ao menos no planejamento. Exemplo disto é a capacitação de milhares de professores qua acontece com esse objetivo. Agora, o que me deixa preocupado é o risco de regressão, um imenso prejuízo educacional pelo impacto que esse tipo de matéria pode alcançar se não houver um esclarecimento, boca a boca e via Internet entre os educadores. Penso que o cancelamento da assinatura pelo professor Lino torna-se um ato concreto e um exemplo a ser seguido. Nada como 0,1 ponto percentual negativo para incomodar os bolsos desse tipo de gente que faz de um esgoto informativo, um jornalismo de negócios.

EDU disse...

Apenas uma ressalva: o Sr. Claudio Moura e Castro não é mais funcionário da Faculdade Pitágoras. Ele é assessor especial da presidência do Grupo Editorial Positivo.
Piorou!