São Paulo, 10 de maio de 2010.
Ao Senhor Diretor de Redação
VEJA
Caixa Postal 11079
CEP 05422-970
Fax: (11) 3037-5638
São Paulo, SP
Prezado Senhor
Como antigo assinante desta revista e estudioso do Construtivismo, segundo Piaget, venho lamentar a publicação, em 12 de maio, da matéria “Salto no escuro”, escrita pelo Senhor Marcelo Bortoloti. Três semanas atrás, esta mesma revista, já publicara matéria contra o Construtivismo, escrita pelo Senhor Cláudio Moura Castro.
O texto do Senhor Marcelo Bortoloti é superficial, tendencioso e mal orientado. É isto que a Veja entende por jornalismo científico? Como posso continuar assinando esta revista e sustentar minha confiança em suas matérias, sobretudo naquelas em que me sinto ignorante, se - a respeito do que venho estudando desde 1968 -, o que observo é algo totalmente sem respeito?
Indico abaixo os pontos de minha divergência como Senhor Botoloti:
1. Não há dogmas no construtivismo;
2. O construtivismo se caracteriza pela visão de enfrentamento (via realização ou
compreensão) de problemas que requerem conclusão; se errada, o desafio é aprender com os erros:
3. Culpar os professores que se dizem construtivistas e não compreendem o que significa, para dai concluir que o construtivismo é responsável pelo fracasso da educação brasileira é simplificador e torpe, próprio de quem escreve sobre aquilo que não entende e, pior que isto, escreve com a motivação de confundir e “desconstruir”;
4. O quadro “A desconstrução do construtivismo”, em que este autor compara “pedagogia tradicional” X “construtivismo”, é de uma banalidade e falta de informação que causa dó e desrespeito em alguém minimamente informado sobre o assunto.
5. Meu pressuposto, pautado no excelente trabalho da Editora Abril, com a Revista Nova Escola e outros projetos educacionais, era que ela valorizava e somava forças com esta imensa tarefa de defender uma escola para todos, apesar das dificuldades deste projeto. Com a publicação deste artigo e do anterior percebo que a Veja é contra esta idéia, sendo favorável ao “melhor da escola tradicional”, com sua visão determinista, favorável à seleção dos mais aptos, o que exclui a maioria de nossa população de crianças e jovens. Que pena!
Culpar, enfim, professores e gestores por suas dificuldades em aplicar idéias construtivistas, no Brasil, é injusto, superficial e tendencioso, pois não considera a complexidade de se transpor princípios teóricos e epistemológicos à prática pedagógica; ignora, também, o muito que se tem feito e conseguido, apesar de tudo. Pior de tudo: minimiza, vulgariza e desengana todos aqueles que, apesar da complexidade desta imensa tarefa, não desistem e aceitam o desafio de uma escola para todas as crianças e jovens. Concluo informando que vou cancelar minha assinatura desta revista, porque perdi o respeito e a confiança que tinha por ela.
Atenciosamente
Lino de Macedo
Professor Titular do Instituto de Psicologia, USP.
2 comentários:
Apenas um recorte (cirúrgico) sobre o que escreveu em sua coluna o Sr. Cláudio de Moura Castro, sob o título: “Construtivismo e destrutivismo.” (Revista Veja, 21 de abril de 2010.)
“Desde a Revolução Industrial, sabemos que cada tarefa deve ser distribuída a quem a pode fazer melhor. Assim é feito um automóvel e tudo o mais que sai das fábricas. Na educação, também é assim. Os materiais detalhados [ele se refere aos manuais, ou seja, às apostilas] são amplamente superiores às improvisações de professores sem tempo e sem preparo.”
.
Além de articulista da Revista Veja, o Sr.Cláudio de Moura Castro é Presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras, o mesmo grupo do material apostilado que insiste no recurso tradicional da aprendizagem por memorização e aplicação mecânica dos conteúdos. Daí surgem as ligações com a matéria “Salto no Escuro” que critica o construtivismo e levanta a bandeira da regressão ao método tradicional de educação criticada pelo professor Lino de Macedo.
O Sr. Castro parece ignorar (ou ver com preocupação?) a mudança que as escolas vem buscando para se adequarem às exigências dos vestibulares mais procurados do país. O ENEM, por exemplo não mede apenas a capacidade do estudante de assimilar e acumular informações, e sim a sua capacidade de refletir, de “saber como fazer”. Valoriza, portanto, a autonomia do jovem na hora de fazer escolhas, estabelecer relações de conteúdo entre as várias disciplinas e tomar decisões. Apenas para ilustrar, o manual da Fuvest 2010 – Programa de Física – assim se apresenta aos candidatos:
“Espera-se que ele demonstre domínio
de conhecimento e capacidade de
reflexão investigativa, em situações
que tenham dimensão tanto prática,
quanto conceitual ou sócio-cultural.
Dessa forma, seu conhecimento físico
não deverá reduzir-se à memorização
ou ao uso automatizado de fórmulas,
mas deverá incluir a compreensão das
relações nelas expressas, enfatizando-se
a visão de mundo que os conceitos,
leis e princípios físicos proporcionam.”
Na prática, tais mudanças na forma de avaliar os candidatos acabam repercutindo num efeito cascata, onde na ponta do processo, surge o professor que tem diante de si o desafio de levar o aluno a raciocinar sobre os conteúdos de forma que diferentes contextos e ações façam parte do processo de construção do conhecimento com significados dos alunos. Não na memória a curto prazo, mas por toda a vida. Essa percepção dos educadores vem crescendo e as mudanças nas escolas já são uma realidade, senão na prática, ao menos no planejamento. Exemplo disto é a capacitação de milhares de professores qua acontece com esse objetivo. Agora, o que me deixa preocupado é o risco de regressão, um imenso prejuízo educacional pelo impacto que esse tipo de matéria pode alcançar se não houver um esclarecimento, boca a boca e via Internet entre os educadores. Penso que o cancelamento da assinatura pelo professor Lino torna-se um ato concreto e um exemplo a ser seguido. Nada como 0,1 ponto percentual negativo para incomodar os bolsos desse tipo de gente que faz de um esgoto informativo, um jornalismo de negócios.
Apenas uma ressalva: o Sr. Claudio Moura e Castro não é mais funcionário da Faculdade Pitágoras. Ele é assessor especial da presidência do Grupo Editorial Positivo.
Piorou!
Postar um comentário