ABERTURA
"Sempre compreendi a epistemologia genética de Piaget como uma teoria de abertura" (Pierre Greco). A abertura é a realização das possibilidades operativas de uma estrutura de comportamento (motor, verbal e mental). É o problema central do construtivismo: sem possibilidades de realizar novos "possíveis", não há construção. Os "possíveis" podem permanecer, contudo, em estado virtual, sem jamais se atualizarem. Os inatistas (como os que explicam a transmissão dos caracteres biológicos, exclusivamente, por meio do DNA) afirmam que os "possíveis" já estão implícitos, de partida, na realidade (todos os livros que podem ser escritos ... já estariam previstos no alfabeto). É uma concepção ilusória de abertura. Para Piaget, os "possíveis" (a abertura) estão, constantemente, in fieri (vir-a-ser) e não admitem caracteres estáticos (predeterminação). A abertura, pois, corresponde à invenção ou, como todos dizem, à criatividade. Os "testes" sobre abertura consistem em solicitar da criança o maior número possível de variações da ação (fazer de outra forma), algo parecido com a "tempestade cerebral" (brainstorming). A linguagem (construir frases inteiramente novas) é o modelo mais corriqueiro de abertura (fenômeno que desmente as teorias de condicionamento dos behavioristas). Verifica-se que o desenvolvimento mental implica em aumento correspondente de "possíveis". Quanto mais elevado o nível de desenvolvimento, mais o sujeito é capaz de encontrar novas formas para realizar suas ações, de modo que a misteriosa "criatividade" de que tanto se fala, não é senão o resultado dos graus, progressivamente superiores, da operatividade motora, verbal e mental.
Geralmente dizemos que "as crianças são criativas, quanto o fato é que são, desconcertantemente, monótonas (Piaget)". O aumento das formas de realização de uma atividade (motora, verbal ou mental) resulta dos mecanismos combinatórios. Mas, as operações, por si só, não explicam inteiramente a multiplicação dos "possíveis" (nem mesmo as estruturas hipotético-dedutivas que, por natureza, são multiplicativas). A multiplicação dos "possíveis" mentais começa já aos 4/5 anos, portanto muito antes da organização das operações (não se considerando "possíveis" a criatividade simbólica anárquica). A abertura para os "possíveis" está ligada diretamente aos esquemas procedurais (operatividade) que não são, necessariamente, operatórios, estando voltados para o êxito e solução dos problemas (a partir do sensório motor), usando os mecanismos combinatórios (não necessariamente operatórios), cujo controle é exercido pelo "ensaio e erro". Os mecanismos combinatórios dos esquemas procedurais nunca estão em equilíbrio, donde sua originalidade (perpétua novidade). Os mecanismos procedurais (êxito e solução de problemas) são responsáveis pela abertura para os "possíveis", embora tendam para a lógica. Não são necessariamente, estruturas operatórias, tanto que se iniciam no sensório motor e, mentalmente, aparecem antes das operações concretas.
Daí Piaget dizer que "a lógica é a inteligência, mas não é toda a inteligência". Diante de um obstáculo, problema, perturbação ou sentimento de lacuna, os esquemas procedurais experimental (ensaio e erro) todo tipo de combinação, sejam essas combinações lógicas ou não (muita vez, confunde-se este processo de pesquisa com a intuição, quando são apenas mecanismos procedurais não-lógicos). Mas é preciso não esquecer que o acesso às operações hipotético-dedutivas amplia a área dos "possíveis", se o indivíduo não se limita, disciplinadamente, à dedutividade ("possíveis" dedutíveis). E assim temos, claramente, uma "teoria da criatividade": combinatória, ensaio e erro, processo hipotético-dedutivo, experimentação procedural (se pusermos de lado o grave problema da motivação ligado às necessidades).
"Em graus muito diversos, todo indivíduo pode ser um criador, pelo menos em certo domínio" (Piaget).
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