sábado, 15 de janeiro de 2011

Papel do Estado ou Estado de Papel

Estado do Rio de Janeiro | 15 de janeiro | nesse momento, rapidamente a contagem de mortos da tragédia dos deslizamentos da Região Serrana caminha para o 600 mortos. A previsão é de 1000, porque as regiões ate então isoladas estão sendo atingidas pelas equipes de resgate, alargando a visão da catástrofe.
A mídia, em sua linha tradicional de cobertura jornalística, vai apresentando as cartas marcadas, com a repetição de imagens que, num primeiro momento relatavam o desastre mas agora buscam mostrar que algum atendimento está sendo dado. Se você mantiver o canal de televisão a cabo sintonizado o dia inteiro, a possibilidade de ver as mesmas imagens rolando pela sua tela horas a fio é enorme. Os blocos de repetição recebem, em algum momento, uma nova imagem que passa a fazer parte da monótona sequência de horrores.
No entanto, se você circula entre as várias mídias vai ouvindo e vendo  que o desastre não é só aquele provocado pelas forças da natureza, mas também pela ação mitigadora, que não consegue fazer frente as demandas.  Aí fica um ponto para pensar: quando a há mais demanda do que recursos, duas coisas podem ser checadas. Ou a tragédia foi grande demais para o contingente estabelecido para atender aos chamados ou não houve nunca planejamento e seriedade no dimensionamento dos efetivos para atender a ocorrência e muito menos um plano de contingência que suprisse as demandas usando recursos cada vez mais amplos, porém disponíveis.
Faço essa pergunta por que várias coisas estão pendentes de esclarecimento e não se fala objetivamente sobre os recursos que deveriam estar disponíveis numa hora como essa, recursos operacionais, diga-se de passagem, até porque o Governo do Estado do Rio de Janeiro encomendou um estudo a respeito de ocupação de áreas de risco em 2008, que apontou a região devastada como a mais vulnerável. Segundo autoridades, tudo foi feito e só ficou faltando tirar as pessoas... Certo, certo ...  Por  que não dão as noticias objetivas? O que está sendo feito nesse momento e por quem? Coisas que poderiam ser informadas:
- quantos helicópteros estão sendo utilizados?
- são do exército, marinha, aeronáutica?
- quantos homens foram designados para o trabalho?
- por quê se pede tanta doação?
- por quê precisamos de tantos voluntários?
Vamos por partes. Temos um contingente enorme de pessoal nas forças armadas que poderiam ser designados para este serviço. Temos um Estado rico. Somos a 8ª.  economia mundial e ficamos pedindo basicamente aos nossos miseráveis que doem o pouco que tem. Onde está o Estado. Ele é mínimo em presença, e faz pouco. Podemos e devemos ajudar, mas a obrigação é do Estado. Ele tem que fazer o que é sua obrigação. Porque o céu não esta cheio de helicópteros para recolher os abandonados pelo Estado. Somos todos contribuintes e sustentamos os vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e Presidente da República. Muito bonita a solidariedade, mas não é nosso papel. É do Estado.  Por que o Governador não esta na TV o tempo todo dizendo o que esta fazendo? Quando perguntado se vai haver alguma avaliação sobre essa tragédia em termos do que poderia ter sido feito preventivamente, o Governador Sérgio Cabral, do alto de sua inteligência política disse que haverá tempo para se fazer uma avaliação de tudo, mas que o momento é de máquina e bombeiro trabalhando. Concordo Governador! Mas cadê as máquinas e os bombeiros. Se 96 horas depois da tragédia ainda estamos vendo poucas pessoas sendo convidadas a atos de heroísmo em nome de suas fardas e muitos anônimos emprestando sua saúde e sua vida para ajudar o próximo, a coisa está tão errada que mesmo essa saída de que o momento agora é de colocar o Estado trabalhando cai na armadilha da estratégia errada. O Estado que está trabalhando é pífio frente ao tamanho do que se pretende resolver.
Quantos vereadores e deputados são voluntários nesta tragédia? Queremos eles na rua. Não somente nós, nossos filhos, parentes e amigos. Isso tudo é uma questão de MORAL. Cada um deveria saber qual seu papel dentro de uma catástrofe.
A mídia fica pedindo, pedindo, sem denúncia objetiva. A mídia deveria estar cobrando, de forma responsável, a presença de todos os helicópteros militares naquela local, naquele momento. A mídia devia estar pedindo que todas as máquinas das Forças Armadas estivesse ali. Que todo o contingente possível pudesse estar disponível. Um “arrastão de resgate” feito por 5 mil homens treinados, apoiados por máquinas e helicópteros teria resolvido a questão a essa altura do campeonato.  Vocês não acham que o pessoal do Poder Público poderia fazer muito mais e melhor do que nós, os pobres civis. Não fomos treinados para salvamento. Fazemos empiricamente.  As vezes acertamos, mas não pode ser tudo ao acaso.
Os médicos, paramédicos e todos os profissionais de saúde deveriam tirar seu dia de folga para ir ao local da tregédia para ajudar, forçando o Estado a entrar através deles. Devem ser remunerados para esta tarefa. Vamos parar com esta idéia de que os civis devem doar e o Estado se locupletar. O Estado tem dinheiro e é para ser gasto exatamente nessas  horas. Vários Hospitais de Campanha deveriam estar montados nas áreas atingidas. Estamos em guerra contra a catástrofe. Falta educação o povo vai morar em área de risco não porque quer, mas porque não tem opção. E certamente não tem condições de entender a extensão do problema. Vide a quantidade de gente que, nesse momento, se recusa a deixar suas casas mesmo com risco de novos deslizamentos. Não tendo para onde ir, não tendo esperança de melhorar, não tendo outro abrigo, ficam onde sempre estiveram e rezam para que o raio não caia duas vezes sobre suas cabeças... o que pode acontecer de verdade, contrariando a crença popular.
O Estado recebe um alerta e não faz um escândalo sobre o que pode acontecer. Prefeito da cidade de Areal, que fez o alerta à população através de carro de som, evitando qualquer morte em sua cidade, vira herói por fazer o que tem que ser feito! É um herói mesmo, nesse contexto onde as autoridades ignoram os alertas e onde o sistema de alerta como um todo, é ignorado.
Curiosamente, o Brasil joga contra o próprio time em várias situações. Cria o mecanismo e não o utiliza! Não dá para brincar com essas coisas. Isso é para ser levado a sério. Isso é moral.
O desenvolvimento moral levaria a população a buscar os seus direitos e requerer do Estado uma ação realmente eficiente. A população consciente de seus direitos, a essa altura estaria cobrando do Estado tudo o que precisa para poder sobreviver e ter dignidade nos próximos muitos meses que virão, porque a tromba d´água foi apenas o início da hecatombe na vida de milhares de pessoas. Elas terão que viver de doações o resto de suas vidas? Casa de parente virou solução habitacional? Não meus amigos. Há muito a ser cobrado, e quando o Governador vier a fazer sua autocrítica prometida em público, sobre porque a situação chegou aonde chegou, vai ter que dizer muito mais do que promessas.

Um comentário:

Luciana Bergallo disse...

Quanta tristeza e indignação com o nosso Estado!
Obrigada por lembrar que temos direitos e não só obrigações.